A Guerra da Bósnia em “O Caminho de Halima”
Se tivesse que elaborar uma lista com os melhores filmes produzidos no século XXI, eu não teria a menor dúvida em incluir "Halimin Put" (na tradução do croata para português: "O Caminho de Halima") como um deles. Este filme, que é uma coprodução Croácia-Bósnia-Eslovênia, fala sobre um dos grandes dramas recentes da nossa História: a "Guerra da Bósnia". Ocorrida entre 1992 e 1995, o conflito originou-se a partir da desagregação da Iugoslávia e dos conflitos entre as diferentes etnias que a compunham.
Marcada pela diversidade étnica e cultural, a região dos Balcãs foi sucessivamente dominada por potências estrangeiras entre os séculos XVIII e XX. A situação só mudou após a Primeira Guerra Mundial, quando a Iugoslávia foi criada. O novo país reunia os povos dos Balcãs sob um único governo. Após um período turbulento relacionado à Segunda Guerra Mundial, a Iugoslávia manteve-se unida até a última década do século XX. Sob a liderança de Tito, líder guerrilheiro que lutou contra a presença nazista no país, a Iugoslávia se alinhou com o socialismo soviético. Até a morte de Tito, em 1980, a região permaneceu unida. Sem a sua liderança, porém, o país viu surgir diversos movimentos nacionalistas e separatistas entre as diferentes etnias que coexistiam na Iugoslávia. A situação se agravou após o fim da União Soviética e o colapso do socialismo na própria Iugoslávia, intensificando ainda mais as tendências separatistas, as quais evoluíram rapidamente para um conflito armado. O quadro se agravou quando Slobodan Milosevic, principal liderança do país naquele momento, adotou uma política que favorecia o domínio dos sérvios, etnia mais populosa da Iugoslávia, como resposta às demandas autonomistas. O resultado, porém, foi uma grave crise que acabou por estimular movimentos de independência entre bósnios, croatas e eslovenos. A guerra civil estava armada.
Esclarecido o contexto histórico do filme, convém analisar o filme em si. O enredo não poderia mais tocante e original: Halima é uma viúva muçulmana que resolve buscar o corpo de seu filho, morto durante a Gueera da Bósnia e enterrado em uma das diversas valas comuns abertas para receber os corpos das vítimas do conflito. Contudo, para realizar a identificação, dificultada pelo estado putrefato da maior parte dos cadáveres, um teste de DNA é necessário. Acontece que o filho de Halima é, na verdade, adotado, o que leva a mãe desesperada a ir atrás da progenitora a fim de que a identificação possa de fato se concretizar. Para tanto, Halima se vê obrigada a perambular em busca de uma sobrinha distante, que abandonou o próprio filho em virtude de conflitos familiares e se refugiou em um local distante. Em meio a acontecimentos trágicos do passado que ainda ecoam no presente, o filme acompanha, então, a saga dramática de Halima em busca da mínima paz para a sua vida devastada.
Diante de tamanhas desgraças, é incrível como o diretor Arsen Ostojic consegue abordar uma história tão triste e carregada de tragédias de forma tão sensível. Acompanhar o ardor de uma mãe que tem o seu cotidiano completamente destruído por uma guerra irracional já seria por si só interessante. Mas o filme vai além, atentando também para o duro momento dos sobreviventes: como lidar com a perda, o vazio, o inevitável, e ainda ter que reunir forças para seguir em frente? São questões que ressoam ao longo de cada quadro, de cada cena.
A obra tem ainda o grande mérito de envolver o espectador do início ao fim, com uma trama que não é linear, mas que se desenrola coerentemente para quem assiste. Os diálogos, a construção dos personagens e as atuações são um capítulo a parte: absolutamente impecáveis. Tudo isso se torna ainda mais fascinante quando nos damos conta que o filme foi inspirado na história verídica de Zahida e Muharem Fazlic, de uma aldeia perto de Prijedor, na Bósnia Ocidental. Profundo, melancólico e sublime, este realmente é o melhor filme dos últimos anos.
O trailer do filme você confere abaixo:
Luís Rafael Araújo Corrêa é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.