Confiança: a vida e o cotidiano em um país ocupado durante a Segunda Guerra Mundial

História em Rede
3 min readDec 31, 2019

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“Bizalom” ou “Confiança”, traduzindo do húngaro, é um excelente e instigante filme de 1980 sobre os difíceis anos de ocupação nazista na Hungria. O país, que vivenciou uma guinada nacionalista na década de 1930, se aproximou da Alemanha nazista e da Itália fascista no início da Segunda Guerra Mundial. Afinada ideologicamente, a Hungria tornou-se oficialmente parte do Eixo em 1941, lutando ao lado dos alemães em episódios marcantes do conflito, como a Operação Barbarossa e a invasão da Iugoslávia. Contudo, quando os rumos da guerra passaram a indicar que a Alemanha e os seus aliados seriam derrotados, os dirigentes húngaros, precavendo-se quanto ao pior, iniciaram uma negociação com a Inglaterra a fim de obter um armistício. Os nazistas, porém, descobriram o trato em março de 1944 e, considerando uma traição, invadiram a Hungria. É a partir deste pano de fundo que o filme se desenvolve.

A trama de “Bizalom”, envolvente desde o início, é muito bem elaborada e, apesar de ser um filme que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, não chega a ser sobre o conflito em si. Tudo começa quando a mulher de um membro da resistência húngara, Kata, é obrigada a trocar de identidade e se refugiar para não ser presa. O pior: é forçada a ficar longe do marido, do qual não tem notícias, e da filha, enviada para longe para que não corresse riscos de ser raptada ou assassinada. Confusa e acuada diante da situação, ela passa a viver um casamento de fachada com outro resistente foragido, János. Essa foi a solução encontrada por seu marido para proteger Kata da perseguição nazista. Para todos os efeitos, Kata e János são um casal da Transilvânia, abrigados na casa de dois idosos, que não desconfiam de nada. No início, a relação entre eles é tensa, afinal, a paranóia de János, típica de um resistente, o impede de confiar nela ou em qualquer outra pessoa. Contudo, o convívio cotidiano e a aproximação propiciada pela situação da guerra ameaça transformar o casamento de fachada em um romance verdadeiro.

O filme é excelente em mostrar a fluidez das relações humanas numa situação catastrófica e confusa de uma guerra. Perpassados por inúmeras sensações, sentimentos, impressões e incertezas, o drama do casal revela ainda o quanto o ser humano, ávido por um sentido ou coerência em relação à vida, é capaz de buscar a felicidade mesmo em situações tão adversas.

Sem dúvidas, um grande momento do diretor István Szabó, que conduz a película de maneira elegante, captando muito bem as sutilezas da relação entre Kata e János. A película, essencial para quem quer entender melhor o cotidiano de pessoas comuns que tiveram suas vidas reviradas pela guerra, obteve grande reconhecimento, chegando a ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1981. Uma verdadeira jóia do cinema.

Luís Rafael Araújo Corrêa é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.

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