Histórias do Brasil, a série de vídeos que revisitou o nosso passado
Não é novidade que nos últimos tempos a internet tem sido um dos principais meios de acesso das pessoas ao conhecimento histórico. E, dentre as opções, os vídeos disponibilizados no YouTube ou em redes sociais são os mais populares. Há muita coisa interessante disponível, mas é bem verdade também que diversos materiais possuem conteúdos duvidosos. Apesar de contarem com grande refinamento na produção, muitos destes vídeos não apresentam uma discussão sob diferentes pontos de vista, resumindo-se à perspectiva do realizador. Além disso, vários deles carecem de fontes fidedignas, o que infelizmente pode resultar em desinformação ao invés de aprendizado. Obviamente, não se trata aqui de condenar iniciativas voltadas para o grande público, mesmo porque esta deve ser um objetivo da História. Contudo, a preocupação com critérios que conferem confiabilidade e qualidade ao conteúdo deve estar na ordem do dia.
Uma produção que serve como parâmetro para tal excelência é a série de vídeos Histórias do Brasil, realizada pela Tv Brasil. O material foi veiculado na emissora, mas se encontra disponível no YouTube. O formato da atração, inclusive, funciona tão bem na plataforma que dá a impressão de ter sido feita para o YouTube. A série consiste basicamente em apresentar casos cotidianos ocorridos em diferentes momentos da História do Brasil, os quais servem como ponto de partida para discutir questões pertinentes a uma dada época. Isso é feito por meio da mescla de uma história ficcional encenada, mas que não abre mão da fidelidade histórica, e de discussões com especialistas no assunto, que se intercalam ao longo do vídeo. Um típico docudrama. O resultado é muito bom, temperando o lúdico e o conhecimento na medida certa.
Lançado em 2011, mas ainda muito atual, Histórias do Brasil foi idealizado por Catarina Poiares Baptista, em uma coprodução da Tv Brasil com a Conspiração Filmes. O projeto contou ainda com a participação da equipe da Revista de História da Biblioteca Nacional, o que conferiu rigor ao conteúdo histórico apresentado. A equipe da revista, hoje extinta, colaborou com o roteiro, a direção de arte e o figurino. A série de 10 episódios passeou pela História do Brasil, desde os contatos iniciais dos portugueses com as populações nativas até a construção de Brasília. Apresentando uma narrativa envolvente e cativante, mas sem nunca abrir mão do contexto histórico, a série revela um Brasil desconhecido ao grande público, introduzindo temáticas esmiuçadas por especialistas e recuperando o cotidiano de outras épocas. Um excelente conteúdo para aprender mais sobre História e um ótimo recurso didático.
Antes do Brasil
“O primeiro episódio mostra a necessidade e a fragilidade das relações humanas na nova terra. Acreditando tratar-se de um francês, um grupo de índios Tupinambás captura o alemão Franz Hassen. E como os franceses são considerados inimigos da tribo Tupinambá, o alemão pode ser devorado pelos índios. A única saída para Franz é convencer Pero Dias, um português ganancioso que vive entre os índios, a desfazer a confusão. A disputa por riquezas naturais e pela honra permeia a história de um povo feito de pessoas muito diferentes e isso é visível neste primeiro capítulo da série Histórias do Brasil”.
Colonização
“O português Fernão Barreto é um senhor de Engenho no Rio de Janeiro em 1580. Para a produção de açúcar conta com 50 peças de escravos, todos "negros da terra", ou seja, índios. Uma nova safra de cana-de-açúcar está pronta para ser moída e, como é de costume, Barreto espera a chegada do padre que irá benzer o moinho para dar início ao trabalho. O atraso do religioso deixa Barreto apreensivo, pois as tribos do entorno têm promovido constantes ataques ao engenho e o clima na região é tenso. Enquanto aguarda, Barreto conversa com Lopes Magalhães, um mercador de escravos português (da Ilha da Madeira) que veio lhe oferecer algumas peças de negros de Angola. Magalhães tenta convencer Barreto de que os africanos são melhores escravos do que os índios”.
Guerra pelo Açúcar
“O português João de Azevedo está apreensivo. Acender um cachimbo é uma tarefa difícil para suas mãos trêmulas. Ele está no meio da mata em Pernambuco, às margens de um rio. Atrás dele está uma charrete com trinta caixas de madeira. Três africanos, de braços cruzados, aguardam instruções. Ao lado de Azevedo está Simão Nunes, judeu holandês, agiota. Muito mais calmo, Nunes tenta tranquilizar Azevedo, dizendo que o holandês Balthasar Van Beck chegará a qualquer momento. Azevedo não gosta da espera. Principalmente com as explosões e tiros que ouve ao longe. São as tropas portuguesas da restauração combatendo tropas holandesas. Além do sentimento de culpa por estar mais uma vez traindo seus compatriotas, Azevedo teme por sua vida caso seja flagrado negociando com os inimigos. Irônico, Nunes diz que Azevedo deveria ter pensado nisso quando, já em 1630, preferiu lucrar com a Companhia das Índias Ocidentais a lutar ao lado dos luso-brasileiros”.
Entradas e Bandeiras
“O mameluco Jerônimo domina os segredos da mata. Como guia de uma expedição bandeirante, é ele quem aponta o caminho, decifra os rastros dos animais, encontra comida e água. Jerônimo terá que usar todo o seu conhecimento para salvar a vida do jovem Pedro, seu patrão e meio-irmão”.
Ouro e Cobiça
“O artesão Manuel Correia confecciona pequenas imagens de santos. Já há cerca de vinte imagens prontas nas prateleiras da oficina, mas Manuel ainda precisa terminar outras cinco até o final da semana. É o que o seu patrão Antônio Vidal insiste em lembrá-lo. Manuel se mostra tranqüilo e garante que o trabalho estará pronto. Cinco jovens negras, carregando tabuleiros de quitutes, chegam à oficina falando alto e rindo muito. Entre elas está a linda Inácia, que troca olhares e sorrisos discretos com Manuel. As negras são escravas de ganho de Antônio Vidal. Todo dia precisam entregar para seu senhor uma quantia por ele estipulada. Para complementar a renda, às vezes recorrem à prostituição. Seus clientes são os escravos que trabalham na região das minas. Uma a uma as negras entregam para seu senhor o ouro em pó que ganharam em um dia de trabalho e Vidal guarda o ouro dentro de uma das imagens de santo confeccionadas por Manuel. As negras seguem falando alto, contando detalhes de seus encontros com os clientes. Vidal termina de guardar o ouro na imagem e a devolve para a prateleira. Quando percebe que Manuel está de olho em Inácia, Vidal dá uma bronca no artesão e ordena que volte ao trabalho. Vidal, então, manda as negras pararem com a algazarra e as enxota da oficina. Vidal sai e Manuel volta para o trabalho. Na manhã seguinte, Vidal vai à oficina, e não vê sinal das imagens de santo recheadas de ouro. Vidal também não sabe onde está Inácia. E, muito menos, Manuel”.
Leituras Perigosas
“Meio da noite. O cirurgião Manoel Toledo encontra um homem misterioso em uma taverna e recebe dele um embrulho. Toledo corre pelas ruelas do Rio de Janeiro carregando o embrulho com todo o cuidado. Ele chega em sua casa e sobe para o segundo andar, onde encontra um amigo encadernando livros. Toledo abre o embrulho e revela uma edição das Fábulas de La Fontaine. Esse é um dos muitos livros cuja circulação é proibida pela Metrópole. Toledo, que participa de uma Sociedade Literária, entende que os livros devem circular livremente. Essa é sua luta. O livro de La Fontaine que acabou de comprar será encadernado no meio de textos liberados. O objetivo de Toledo é esconder a obra proibida das vistas das autoridades e assim levá-la ao maior número possível de leitores. Eles já estão trabalhando há algumas horas quando ouvem batidas na porta. Toledo diz para o companheiro fazer silêncio e desce correndo. Quando abre a porta, se depara com três soldados carregando um homem ferido e inconsciente. O comandante da tropa é um velho conhecido de Toledo e pede ajuda ao cirurgião para tratar do homem. Toledo engole em seco quando percebe que o homem é o mesmo de quem comprou o livro. O comandante da tropa explica que tinham recebido uma denúncia de que um contrabandista de livros agiria naquela noite e, de fato, eles o encontraram. Mas o homem tentou fugir pulando um muro e acabou caindo de cabeça. Agora o comandante precisa que Toledo reanime o contrabandista para que os soldados possam arrancar dele os nomes de seus clientes. Hesitante, o cirurgião se vê diante de um dilema: se salvar a vida do contrabandista de livros e ele recobrar a lucidez, Toledo pode ser desmascarado pelas autoridades”.
O Sangrador e o Doutor
“Benedito, um ex-escravo de 50 anos, é levado até um rico palacete em Botafogo. Dona Ana está aflita. Seu marido, João Alencar, está de cama, inconsciente, muito doente. Dona Ana ouviu dizer que se alguém pode curar seu marido esse alguém é Benedito, o maior sangrador da Cidade Nova. Disposta a tentar de tudo depois dos fracassos dos mais caros e respeitados médicos da Capital, Dona Ana pede que Benedito trate de seu marido. Após um rápido exame, Benedito decide começar o tratamento com uma sangria. Em seguida, deita "bixas" - sanguessugas - pelo corpo de Alencar. Dois dias depois, Alencar está de pé. Muito católico, ele credita sua recuperação às orações da mulher. Mas Dona Ana admite que recorreu a um barbeiro sangrador. Alencar, então, pede o endereço do ex-escravo, para que possa agradecer pessoalmente. Alencar encontra a pequena casa na Cidade Nova vazia. Mas escuta um falatório e um batuque. Ele entra. Nos fundos da casa, Alencar se depara com um culto de candomblé. Horrorizado com a cena, ele vai embora, fazendo o sinal da cruz: sua vida foi salva num ritual pagão. E isso ele não pode admitir”.
Vida e Morte no Paraguai
“No acampamento do Exército Aliado, três amigos se divertem conversando sobre Alfredo, colega deles que se feriu levemente em circunstâncias misteriosas. Cada amigo tem uma versão para o ferimento”.
Propaganda e Repressão
“Em uma mesa do Bar Amarelinho, na Cinelândia, alguns jornalistas conversam sobre Getúlio Vargas, o Estado Novo, e a censura aos jornais onde trabalham. ”.
O Sonho de Juscelino
“A primeira residência oficial do presidente Juscelino Kubitschek em Brasília é um prédio simples, sem conforto, feito de madeira. Projetado por Oscar Niemeyer e construído em 10 dias, seu nome é uma referência ao Palácio do Catete, residência do presidente no Rio de Janeiro. Brasília já está praticamente pronta e essa será a última noite em que o presidente dormirá no Catetinho. Sebastião, velho mordomo que acompanha Kubitschek desde o Rio de Janeiro, e Nascimento, jovem mordomo que assumirá o cargo na nova capital, trabalham juntos para deixar tudo arrumado. Mas as diferenças entre os dois mordomos são muitas. Sebastião acha que a capital jamais deveria ter saído do Rio de Janeiro. Nascimento não vê a hora de Brasília estar ocupada e funcionando a pleno vapor. A arquitetura de Brasília também é motivo de discordância entre os dois. Nascimento é um entusiasta do futurismo da nova capital. Sebastião prefere os prédios neoclássicos do Rio de Janeiro. Apesar das diferenças e da insistência do jovem Nascimento em não seguir as orientações do velho Sebastião, os dois têm pressa: o presidente JK vai chegar a qualquer momento”.
Luís Rafael Araújo Corrêa é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.