Império do Sabão: racismo e colonialismo nas propagandas de sabão
Embora seja parte integrante do cotidiano atual, marcando presença tanto em páginas de revistas, quanto em outdoors que compõem a paisagem de qualquer cidade, a propaganda nem sempre foi um recurso recorrente no mundo capitalista. Na verdade, até 1851, ela era encarada como uma confissão de fraqueza do ponto de vista comercial, uma espécie de último recurso para promover um produto que não era bom o bastante por si só. Essa situação começou a mudar em grande parte a partir da iniciativa dos fabricantes de sabão, que passaram a utilizar a propaganda como forma de alavancar as vendas de um artigo que se encontrava em franca expansão na segunda metade do século XIX dada a emergência de uma nova realidade sócio-econômica.
Diante dos avanços tecnológicos da Segunda Revolução Industrial e de suas novas demandas, as potências capitalistas ingressaram em uma nova era: a Era dos Impérios. Em busca de mercados, matéria-prima e fontes de energia, os países industriais se valeram do poderio bélico e material que dispunham para colocar em prática políticas de dominação sobre diversas regiões na África, Ásia, Oceania e América Latina. Em nome do progresso, incontáveis casos de violência se sucederam na constituição destes impérios coloniais.
O impacto da dominação colonial sobre o setor industrial foi imediato, sendo particularmente favorável à expansão do mercado de sabão. Mediante a abundância do algodão produzido com mão-de-obra escrava em áreas coloniais, verificou-se o excedente cada vez maior de peças baratas feitas com este material, o qual foi devidamente acompanhado pelo aumento do poder de compra da classe média européia, propiciando assim uma expansão significativa do consumo de têxteis. Tal situação acabaria abrindo espaço também para a indústria do sabão. Beneficiados por fontes baratas de óleo de palma, coco e sementes de algodão que provinham de plantações imperiais localizadas na África Ocidental, no Ceilão, em Fiji, na Malásia e na Nova Guiné, os produtores de sabão aproveitaram este momento para introduzir novos hábitos de higiene.
O uso da propaganda, que ganhou ares agressivos diante da intensa competição comercial entre as indústrias da Inglaterra, dos EUA e da Alemanha, foi então decisivo para fazer com que o sabão invadisse os lares. Como resultado, as vendas do produto explodiram: na década de 1890, somente na Inglaterra, foram consumidos 260 mil toneladas de sabão por ano. Os hábitos de higiene acompanharam a indústria: se outrora as lavagens de roupas de vestir ou de cama eram feitas apenas uma vez por ano e a rainha Elizabeth I se notabilizava entre seus contemporâneos pela freqüência com que se banhava, “regularmente a cada mês, precisasse ou não”, a partir da segunda metade do século XIX a preocupação com a higiene estava na ordem do dia.
Contudo, as propagandas em prol do sabão não se destacaram apenas por sua intensidade, como também pelo teor ideológico que apresentavam, típico da Era dos Impérios. O ideal de progresso, materializado nos artigos propiciados pela tecnologia industrial, era a principal marca destas propagandas. Afinadas com as justificativas apregoadas pelos países industrias para sustentar o imperialismo, a propaganda apresentava o sabão como um elemento civilizador. Um sinal da superioridade ocidental em relação aos demais povos. Reforçando o racismo científico que ganhou força no século XIX em grande parte por conta das teorias evolutivas derivadas do darwinismo, as propagandas de sabão constituem um exemplo emblemático de que a violência da Era dos Impérios foi não apenas física, mas também simbólica.
Luís Rafael Araújo Corrêa é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.
Bibliografia
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