O Egito e o seu (ainda) esplêndido Patrimônio Histórico — Parte 2

História em Rede
9 min readApr 17, 2019

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O incêndio na catedral de Notre Dame evidenciou mais uma vez a importância de políticas sérias de preservação patrimonial. E, com essa preocupação, continuamos nosso artigo sobre o (ainda) esplêndido Patrimônio Histórico do Egito. Dessa vez, vamos além da capital Cairo e exploraremos outras cidades importantes do Egito.

Centro Histórico de Alexandria

Histórica cidade de Alexandria, localizada no centro-norte do Egito e banhada pelo Mar Mediterrâneo. Fundada por Alexandre Magno em 332 a.C., sendo seu nome uma homenagem ao célebre conquistador, a cidade foi o principal centro urbano do Egito ptolomaico. Tendo se tornado capital egípcia, Alexandria abrigou a famosa biblioteca, patrocinada pelo sátrapa Ptolomeu e que reunia boa parte do conhecimento do mundo antigo. O seu fim, contudo, não foi nada glorioso: um incêndio de circunstâncias nebulosas consumiu o vasto conhecimento ali reunido. Ao menos, a fama da biblioteca motivou as autoridades egípcias, com o apoio da UNESCO, a construir um novo centro de saber em Alexandria, no ano de 2002. E a biblioteca, de fato, é muito bonita e bem servida.

Catacumbas de el-Shuqafa (Alexandria)

Visitando as Catacumbas de Kom el-Shuqafa, em Alexandria. A descoberta do sítio arqueológico foi, para dizer o mínimo, jocosa: no início do século XX, um burro caiu por acaso em um buraco e as catacumbas vieram a tona. Hoje, sabe-se que elas foram construídas no século I, durante a ocupação romana do Egito. Inicialmente, os túmulos teriam sido reservados para as famílias mais importantes de Alexandria, mas com o tempo eles se estenderam aos demais moradores da cidade, sendo usado até o século IV. No interior das catacumbas, um aposento se destaca, a vala de Caracalla. Nesta vala, teriam sido depositados os restos mortais de pessoas e animais que foram vítimas de um massacre ordenado pelo imperador romano Caracalla, no ano de 215.

Coluna de Pompeu (Alexandria)

Coluna de Pompeu, proveniente do templo de Serápis na Antiguidade. Totalizando 30 metros de altura, a coluna é cercada de muitas dúvidas quanto a sua origem. O seu nome advém da crença dos cruzados, que acreditavam que este era o local onde Pompeu havia sido enterrado. Outros chegaram a dizer que esta era a coluna que restara da Biblioteca de Alexandria. Contudo, as evidências sugerem que a coluna é mesmo do templo dedicado à Serápis e erigido a mando de Ptolomeu III. Serápis, inclusive, era o deus protetor de Alexandria.

Complexo Arqueológico de Abu Simbel (Assuã)

O complexo arqueológico de Abu Simbel impressiona logo na primeira vista, embora fotos sejam proibidas no interior do templo. Localizado à 300 km de Assuan e a apenas 50 km da fronteira com o Sudão, o complexo tem o templo de Ramsés II, um dos maiores governantes do antigo Egito, como o grande destaque. O templo é considerado uma das grandes realizações do faraó, sendo dedicado ao próprio Ramsés e aos deuses Rá, Ptah e Amun. Logo na entrada, é possível contemplar quatro colossos maravilhosamente esculpidos, sendo os de Ramsés e de Nefertari, a sua principal esposa, os mais evidentes. Nefertari, inclusive, teve um templo menor construído em sua homenagem no mesmo complexo, deixando claro a afeição do faraó por sua esposa. Considerado patrimônio mundial pela UNESCO desde 1979, o templo foi praticamente reconstruído e transferido de local pela organização ao ter sido inundado após a construção da represa de Assuã. E a beleza arquitetônica, junto com os inúmeros detalhes da antiga civilização egípcia, sem dúvidas justificam a escolha.

Templo de Nefertari (Assuã)

Templo dedicado à Nefertari, no complexo de Abu Simbel. Embora as fotos no interior do templo sejam proibidas, a entrada do templo já impressiona. Nefertari foi a esposa favorita de Ramsés II, a ponto de dedicar a ela esta belíssima obra. Tendo vivido aproximadamente entre 1290 a.C. e 1254 a.C., a rainha desempenhou um papel político relevante para uma mulher neste período, inclusive em negociações de paz com povos inimigos, a exemplo dos hititas. Nefertari, que significa "a mais bonita" no idioma antigo, manteve-se como a favorita de Ramsés II mesmo após a sua morte, justificando os encantos que sempre atribuíram a ela.

Templo de Philae (Assuã)

Belíssimo templo de Philae, em Assuan. Localizado em uma ilha homônima em pleno rio Nilo, o templo é dedicado à deusa Ísis e foi construído no Egito ptolomaico. No passado, as ruínas chegaram a ficar submersas após a construção da barragem de Assuã, mas graças aos esforços da UNESCO e de países como EUA, Inglaterra e Espanha, o sítio arqueológico foi recuperado. Sobre o templo, sabe-se que Cleópatra costumava render homenagens à deusa da fertilidade, indo pessoalmente até ele. Com isso, buscava auspícios que a ajudassem a tomar decisões. Por dentro, a obra é grandiosa e muito bem preservada, com colunas, hieróglifos e figuras em alto relevo que muito dizem sobre a história do Egito sob a dinastia dos Ptolomeus. Chama a atenção ainda a presença de cruzes cristãs em algumas paredes, o que indica que o local foi refúgio de fiéis no início da Era Cristã. Algumas partes do templo, inclusive, foram depredadas ou sobrepostas pelos cristãos nesse período. Felizmente, boa parte do monumento continua em bom estado de conservação.

Represa de Assuã

A enorme represa de Assuã, que afetou diretamente as inundações do rio Nilo desde que foi construída. A construção da represa ocorreu no contexto da Guerra Fria e durante o governo de Nasser, no Egito. No âmbito de suas pretensões modernizadoras, Nasser negociava com os EUA e a Inglaterra a fim de obter o financiamento da obra. Contudo, após a nacionalização do Canal de Suez, o acordo não vingou e o Egito recorreu à URSS para construir a represa. Mesmo desempenhando papel fundamental na produção de energia elétrica desde que foi concluída, é inegável que o impacto ambiental da represa foi enorme, interferindo no curso do rio Nilo e nas cheias do mesmo. Para o patrimônio histórico, no entanto, as consequências foram ainda maiores, já que a represa resultou na inundação de diversos sítios arqueológicos e locais históricos. Muitos foram definitivamente perdidos, enquanto outros foram recuperados por esforços coordenados pela UNESCO.

Templo de Luxor (Luxor)

O belo Templo de Luxor, localizado hoje na cidade de mesmo nome, que outrora foi a grandiosa Tebas. Descoberto em 1881 por um arqueólogo francês, a construção era dedicada ao deus Amon, embora os deuses Mut e Khonsu também tenham sido homenageados, havendo estátuas das três divindades em várias partes do templo. A sua construção iniciou-se no reinado de Amenófis III, cerca de 1400 a.C., mas as obras se estenderam além dessa época, tendo sido ampliado por Ramsés II. Acreditava-se que o templo influía no rejuvenescimento dos faraós, destacando-se ainda como local onde várias cerimônias de coroamento faraônicas ocorreram. Hoje, o Templo de Luxor é um dos sítios arqueológicos mais bem preservados do Egito e chama a atenção do ponto de vista material por reunir resquícios das épocas faraônica, greco-romana, cristã copta e islâmica, indicando que o templo foi ocupado por diferentes culturas.

Templo de Karkak (Luxor)

As impressionantes ruínas do Templo de Karnak, em Luxor, a famosa Tebas da Antiguidade. Dedicado ao deus Amon-Ra, a construção encontra-se bem preservada e é grandiosa, impressionando logo na entrada principal. A edificação teve início em 2200 a.C. e se destacou como local de culto, atingindo seu auge quando Tebas foi alçada à condição de capital do antigo Egito, durante a décima oitava dinastia. Por várias dinastias, Karnak manteve-se como o mais importante centro religioso do império, sendo conhecido como Ipet-Sut, que significa "o melhor de todos os lugares". No interior, há ainda um lago cujas águas eram usadas em ritos de purificação. Depois de passar cerca de mil anos soterrado pela areia do deserto, os quase 200m² do templo vieram à tona no século XVIII.

Colossos de Mêmmon (Luxor)

Colossos de Mêmmon, localizados em Luxor. As estátuas são representações do faraó Amenófis III e possuem cerca de 18 metros. Os colossos estavam dispostos na entrada do templo funerário do faraó, que infelizmente não existe mais em função das inundações do rio Nilo e da extração de materiais da construção feita ao longo do tempo. Embora bastante desgastadas, as estátuas mostram também a mãe de Amenófis e a rainha Tié, sua principal esposa. Além delas, é possível ver também o símbolo do sema-taui, que fazia referência à união entre o Alto e o Baixo Egito. Sem dúvidas, uma obra que vale a pena admirar.

Templo de Hatshepsut (Luxor)

Templo de Hatshepsut, em Luxor. Hatschepsut tem uma história singular e interessante: foi uma rainha que governou como faraó no século XV a.C., tendo um reinado marcado por relativa paz e prosperidade. Inicialmente regente de seu irmão Tutmés III, Hatshepsut agiu politicamente a fim de ser alçada à posição de faraó. Para tanto, difundiu a idéia de que era filha do deus Amon-Rá, legitimando assim a sua pretensão ao trono. No templo, inclusive, é possível ver pintada nas paredes a representação referente ao nascimento da rainha a partir dos desígnios do deus Amon-Rá, o qual teria lhe confiado o destino do Egito. A construção é grandiosa e razoavelmente preservada, sendo uma das mais interessantes na minha opinião. Chama muito a atenção as feições masculinas atribuídas a ela em determinadas estátuas, o que demonstra o esforço de adequação de sua representação aos padrões masculinos de poder vigente no Egito. Uma curiosidade é que, segundo investigações históricas, Hatshepsut foi a mãe adotiva de Moisés.

Vale dos Reis (Luxor)

Percorrendo o Vale dos Reis em Luxor. A região abrigou uma Necrópole onde os reis, as rainhas e nobres do Império Novo foram sepultados. Tendo as montanhas de Tebas como principal referência, o Vale, que tinha um acesso restrito, foi usado no lugar das pirâmides entre as dinastias XVIII e XX como forma de coibir a ação de saqueadores. O local é enorme e repleto de tumbas, mas sem objetos ou múmias, pois estes já foram levados para museus ou centros de estudos.

Templo de Kom Ombo (Kom Ombo)

Templo de Kom Ombo, localizado na cidade de mesmo nome. A obra foi edificada no período ptolomaico e chama a atenção por ser dedicada a dois deuses egípcios distintos: o famoso deus Hórus e o deus Sobek, menos conhecido e que é representado como um crocodilo. O Nilômetro também é bem interessante de se ver: trata-se de um poço largo e que conta com uma escada, a qual desce até ao nível do lençol freático, possibilitando assim a medição das flutuações do nível da água do rio Nilo. O curioso é que por vezes os crocodilos do Nilo entravam no poço e os sacerdotes do templo os criavam em cativeiro. Prova disso são os crocodilos mumificados encontrados no templo e em exposição no museu anexo. Não podia ser diferente, afinal Sobek era o grande deus crocodilo.

Templo de Edfu (Edfu)

Templo de Edfu, localizado na cidade egípcia de mesmo nome. Dedicado ao deus Hórus, a obra, construída no período ptolomaico, é repleta de simbolismos à divindade. O templo, muito bem conservado, chama a atenção logo de cara pelas estátuas de falcão na entrada, que remetem a Hórus. As paredes são muito bem preservadas, assim como as colunas, as quais contém diversos hieróglifos e inscrições que remontam à influência greco-romana no Egito. Um belo sítio para percorrer e contemplar.

Luís Rafael Araújo Corrêa é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.

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