O Passado em 4K: o projeto que usa a tecnologia para otimizar vídeos históricos

História em Rede
4 min readJul 10, 2020

Não é novidade que o uso da tecnologia proporciona possibilidades incríveis para o estudo da História. Em um artigo recente, destacamos como a computação gráfica tem auxiliado na recuperação de cenários e contextos pertinentes a diferentes épocas. Da mesma forma, a digitalização de arquivos tem facilitado e muito o trabalho dos historiadores. Aliando isso à disponibilização de acervos documentais em sites e repositórios virtuais, a pesquisa na área foi amplamente beneficiada pelos recursos tecnológicos.

Uma iniciativa que vai nesta direção é a do designer Denis Sheryaev. Em seu canal no YouTube, ele compartilha vídeos históricos restaurados com o auxílio de softwares especializados que otimizam e redimensionam gravações produzidas há mais de cem anos. O resultado é impressionante: vídeos mudos em preto e branco ganham tanto cores quanto sons. A qualidade da imagem é retrabalhada em alta definição e a sequência de quadros é ajustada para conferir fluidez à transmissão. Para que tal proeza seja alcançada, é necessário um processo complexo e feito em diferentes etapas. A primeira consiste no uso de um software chamado Gigapixel AI, da empresa Topaz Labs. Este programa se vale da inteligência artificial para analisar as imagens do vídeo, de modo que, ao reconhecer detalhes e estruturas da gravação, o aplicativo “completa” a imagem com base nesse padrão. Isso possibilita não apenas a ampliação do vídeo, mas também a inclusão de efeitos que adicionam claridade e aprimoram a definição, convertendo-o em 4K. A segunda etapa consiste no uso de outro software chamado DAIN. O programa é responsável por modificar a taxa de quadros do vídeo, inserindo quadros criados após a inteligência artificial do aplicativo analisar a gravação. Atualizada, a gravação ganha fluidez e profundidade, dando a sensação de ser uma gravação recente. Para completar, o vídeo é colorizado e sons fidedignos são adicionados, conferindo enorme vivacidade.

Os resultados até o momento são dignos de tanto trabalho. Os vários vídeos postados por Sheryaev em seu canal no YouTube apresentam grande qualidade e em algumas oportunidades é possível até duvidar da época em que eles foram produzidos. O esforço de restauração vem se difundindo nas redes sociais e já obteve milhões de visualizações. Uma iniciativa louvável de divulgação histórica que propicia excelentes reconstituições para serem estudadas, usadas em sala de aula ou apreciadas por entusiastas.

O primeiro vídeo apresentado em seu projeto data de 1896 e é um clássico dos Irmãos Lumière. Trata-se de Arrival of a Train at La Ciotat, uma das primeiras filmagens da História e que retrata a chegada de um trem em uma estação. O filme causou rebuliço quando foi exibido pela primeira vez, pois os espectadores, não acostumados com esse tipo de experiência, acharam que o trem exibido na tela viria em sua direção. O vídeo é muito apropriado em uma aula sobre as inovações e o cotidiano da Revolução Industrial. Confira:

O segundo vídeo é o da exploração na superfície da Lua durante a missão Apollo 16. A conversão ficou espetacular e é bem adequada em uma aula sobre a Corrida Espacial na Guerra Fria:

Outro vídeo disponibilizado é o de um passeio por Nova Iorque em 1911. Além de interessante, pode ser útil em aulas sobre o cotidiano do mundo nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial e um retrato da ascensão norte-americana no período:

O passeio pela rua Tverskaya, na cidade de Moscou de 1896, também foi recuperado:

O vídeo-passeio por Paris entre 1896–1900, totalmente reconstituído, é um ótimo recurso para usar em uma aula sobre a Belle Époque:

Um vídeo que retrata os trabalhadores ingleses, que data de 1901, foi igualmente recuperado. Muito bom para uma aula sobre a classe trabalhadora em meio às transformações da Revolução Industrial:

Vídeos antigos com gravações em Amsterdã (1922), San Francisco (1906) e Inglaterra (1888) também foram restaurados com excelência e são úteis para abordar a virada do século XIX para o XX:

O vídeo mais recente do projeto é uma restauração de uma gravação que percorre as ruas de Tóquio entre 1913 e 1915, muito bom para retratar as transformações do Japão na Era dos Impérios:

O trabalho de Shiryaev é mais um bom exemplo de como o uso da tecnologia a serviço da História possibilita resultados fantásticos e elucidativos. Apesar de ser um empreendimento complicado e que demanda grande conhecimento técnico, esta é uma área bastante promissora. E, até o momento, isso é o mais próximo que temos de uma máquina do tempo.

Luís Rafael Araújo Corrêa é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.

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Espaço dedicado a divulgar o conhecimento histórico ao grande público e a refletir sobre a importância da História.