Os Super-Heróis como propaganda de Guerra: os quadrinhos e a Segunda Guerra Mundial
Após a Grande Depressão, em 1929, os EUA passavam por um delicado processo de recuperação econômica e se apegaram a uma política isolacionista. Quando a Segunda Guerra Mundial explodiu na Europa, o clima do país era de não-envolvimento em uma guerra distante, custosa e que não dizia respeito à América. O governo Roosevelt, entretanto, via que o envolvimento do país no evento seria uma questão de tempo. Paralelamente, uma inovação nos quadrinhos norte-americanos rompe com a inflação de histórias de “mocinho e bandido” que abundavam as hqs na década de 1930. Das mãos de Joe Shuster e Jerry Siegel surge o primeiro super-herói. Dotado de poderes sobre-humanos e um forte senso de justiça, o Super-Homem emerge como um símbolo do ideal estadunidense em um momento de recuperação da confiança e da economia. Na esteira de seu sucesso surgiram muitos outros e, com o desenrolar da Guerra, os super-heróis seriam massificados e posicionados em relação ao conflito.
Os Quadrinhos como comunicação de massa
A sintonia dos super-heróis com a Guerra foi notável e as histórias possuíam tanta propaganda norte-americana que pareciam subsidiadas pelo governo. O apelo patriótico e a defesa dos valores estadunidenses passam a ser marcas das hqs ao longo de todo o conflito. Isso fica claro nos uniformes, nos discursos e mesmo nos nomes, sendo o Capitão América o mais emblemático.
Essas representações estimulavam o nacionalismo e a mobilização da sociedade. Mesmo antes do país entrar na Guerra, as aventuras, em geral, já giravam em torno de espionagens e de invasões ao território norte-americano por nazistas e japoneses, que eram apresentados como os inimigos da liberdade e da democracia. Além disso, a figura de Hitler foi sempre associada com a de responsável pelo conflito. Tais histórias buscavam mostrar quem eram os “bons” e os “maus” e cumpriam bem o papel de aproximar a guerra dos leitores, sinalizando que a mesma iria ao encontro dos EUA.
O alcance desses quadrinhos, desde o princípio, mostrou-se amplo, podendo ser verificado a partir da repercussão de uma história do Super-Homem publicada na revista Look, de fevereiro de 1940. Nela, o homem de aço acabava com a Guerra em duas páginas, capturando Hitler e Stálin e os deixado sob custódia da Liga das Nações. Gobbels, ministro da propaganda nazista, chamou o personagem de judeu ao ler a História. O jornal oficial da SS, por sua vez, classificou Jerry Siegel, o escritor de Super-Homem, como sendo física e intelectualmente circuncidado.
O ataque à Pearl Harbor pelos japoneses, em dezembro de 1941, muda os rumos da Guerra e da política dos EUA. Roosevelt declara guerra ao Japão e, pouco depois, Hitler faz o mesmo contra os Estados Unidos. O impacto sobre os quadrinhos é imediato, e a maior parte dos super-heróis se alista e vai para o campo de batalha. Os personagens tornam-se mais agressivos, com as histórias passando a glamourizar os combates e a valorizar os militares. Nessas representações nota-se uma forte apologia ao alistamento militar.
A entrada na Guerra é justificada pelos quadrinhos como forma de preservar a liberdade e a paz mundial. De novo o Capitão América sintetiza esse discurso: seu escudo simbolicamente expressa a ideia de que esses são valores a serem defendidos. Apresentando os países inimigos como totalitários, as histórias passam a sinalizar que invadi-los é inevitável. Soma-se a isso as representações dos soldados do Eixo como monstros sádicos, que tinham como intenção desumanizá-los e reforçar ainda mais a condição de inimigos.
Ironicamente, é curioso perceber que muitos super-heróis compartilhavam ideais valorizados por seus inimigos. Dentre eles, estão o de resolver os problemas pela força, o da dominação do mais forte sobre o mais fraco e, no caso nazista, a ideia de um homem superior que os super-heróis representam tão bem.
“Faça sua parte para a vitória!”
Ao entrar na Guerra, os EUA voltam sua economia para as necessidades do front. A mobilização da sociedade por meio de propagandas do governo foi essencial. O estímulo ao envolvimento do público fez com que, um ano após Pearl Harbor, a produção de guerra igualasse a da soma de todos os países do Eixo e, já em 1943, estivesse à frente. Além disso, em dezembro de 1941 o governo passou a emitir bônus de guerra para financiar os custos do conflito e a estimular a coleta e o racionamento de bens indispensáveis.
Os quadrinhos de super-heróis colaboraram para tal. O discurso era de que os leitores podiam ajudar o seu país. O enaltecimento das pessoas envolvidas com o esforço de guerra torna-se comum, fato que as colocam entre os alvos preferidos dos vilões. O estímulo para a colaboração dos leitores não estava implícito apenas na história, mas era reforçado por conselhos dos personagens. O apelo para a participação feminina nesses “home fronts” é intensa e assimilada pelos quadrinhos com a proliferação das super-heroínas.
Não muito diferentes serão as representações em relação à coleta e ao racionamento. Os super-heróis passam a lidar com esta situação rotineiramente e o apelo ao público é ainda mais contundente. Busca-se mostrar a importância de determinados itens e transmitir a ideia de que os leitores-mirins podem ser parte da guerra, assim como seus ídolos.
O forte incentivo às compras dos bônus de guerra também estava estampado nas capas e ao longo de toda história. A mensagem era clara: o apoio da sociedade era fundamental para garantir a vitória contra o Eixo.
O Pós-Guerra
Entre 1940 e 1945 cerca de quatrocentos super-heróis foram criados. As hqs exploraram os diversos momentos da guerra, envolvendo os leitores com a mesma. Mas, com o fim do conflito, nem todos sobreviveram.
Depois de dezesseis anos conturbados de Depressão e Guerra, o público diminuiu o interesse pelas histórias agitadas. Analisando as revistas é possível constatar o reflexo deste contexto sobre os personagens. Muitos foram os que, no imediato pós-guerra, tentaram se adaptar à nova realidade social. Alguns passaram a ter preocupações mais cotidianas, casando e constituindo famílias. Outros tiveram seus enredos e motivações alteradas para estarem sintonizados com os novos tempos.
Mas, no imaginário dos leitores, a maioria dos personagens estava tão vinculada ao período de guerra, do enredo à forma de se vestir, que seria difícil os verem de outra maneira, e as tentativas de adaptações acabariam implicando em novos personagens. O resultado foi o cancelamento de muitos desses super-heróis. Nem o maior ícone escapou: o Capitão América foi para a geladeira. Literalmente: com a popularidade em queda, o personagem acabou congelado no Ártico e só seria resgatado mais de uma década depois.
Luís Rafael Araújo Corrêa é professor do Colégio Pedro II e Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor de artigos e livros sobre História, como a obra Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela Inquisição.
Breve Cronologia
REFERÊNCIAS
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